sábado, 15 de dezembro de 2012

Morde

Sentada na esplanada da ilha, com os pés enrolados embaixo das pernas bronzeadas, a ponta do vestido a espreitar a tua coxa, distraída, brincava com os dedos enquanto eu prosseguia na minha história e, depois de ter despejado para cima de ti todas as minhas verdades, todas as minhas mentiras, olhaste-me com aquele sorriso pequenino, declaraste-me oficialmente o homem do teu verão.
E cumpriste tua palavra.
Ficamos os dois a ver os barcos e a comer devagar refeições de pão, queijo, peixe e mariscos. Quando falavas - e tu raramente falavas - era sobre a tua casa, a planície e o rio. Tinhas inveja da ilha por ter mar, por ter liberdade, mas contavas histórias sobre as barcas nos rios e foi contigo que aprendi que quem navega não sabe conversar, porque o rio tece mistérios vedados às palavras. Contaste-me que em Veneza os gondoleiros têm barbatanas aos pés, para poderem andar em cima da água. Riste-te, lançaste a cabeça para trás e teus óculos caíram na calçada, um barulho de plástico a revirar nas pedras. Foi então que descobri o rio nos teus olhos e comecei a amar-te.
Todos os anos venho aqui. Fico no mesmo quarto e vejo-te de manhã, encostada à brisa que te levantava os cabelos a dizer: anda, anda, morde-me o coração.