Sexta-feira de manhã o Aeroporto
de Congonhas se parece com um hipermercado. As pessoas carregam malas, pacotes,
embrulhos, garrafas térmicas e conjuntos completos de pneus embrulhados numa
espécie de totem de selofane transparente. Duvido que para aonde estão indo não
haja a mesma coisa para comprar.
Muitas malas estão hermeticamente
vedadas com uma espécie de filme azul como se estivessem indo para o micro-ondas.
Na verdade, estão indo para Bahia - bem mais quente que um forno micro-ondas.
Meu portão de embarque é o número
oito. Ponte Aérea São Paulo - Brasília. Na sala de embarque os únicos sem terno
somos eu e uma garotinha de uns 6 anos. Ela se arrasta pelo chão azul escuro
reluzente, recém encerado, como se estivesse nadando no fundo do mar. Seu nome
é Marina e ela ama o Bob Esponja. Eu também, mas não nado de barriga no chão
como se fosse um pinguim.
Os alto-falantes nos chamam para
o embarque e o pai da garotinha calmamente espera que ela chegue “nadando” até
ele do outro lado do salão, se arrastando com a barriga no chão. Se parece com
um pinguim escorregando por um iceberg. Se fossem meus pais, já teriam me
levantado pelas orelhas ao primeiro chamado.
Dentro do avião, reparo que
aquele discurso de segurança que as aeromoças encenavam, foi substituído por
uma telinha que desce do teto sobre cada assento do avião. Muito melhor assim.
Me dava agonia ver a aeromoça colocando a máscara de oxigênio na cara e falando
que em caso de despressurização da cabine, primeiro coloque a máscara em você e
depois nas crianças. Lembro do pinguim do saguão do embarque. Pelo menos ela
parece saber nadar.
Mas agonizante mesmo, são os
avisos de “acentos flutuantes” colados nas cadeiras. Não sei até que ponto isso
é uma vantagem: ficar boiando numa poltrona no meio do Oceano Atlântico não faz
parte dos meus planos de final de semana. Ainda bem que Brasília não tem mar.
O discurso de segurança termina e
é substituído por um programa sobre música. Milton Nascimento com seu
violãozinho Ovation vermelho, num sofá dando entrevista com aqueles caxinhos. O
Milton é um cara maneiro. Gosto das coisas que ele faz e diz. Mas estou
concentrado numa coisa bem mais importante: acho que a aeromoça está flertando
comigo. Já é a segunda cerveja que eu peço e ela me fornece com imenso prazer.
Um sorriso fantástico. Ela quase me elogia cada vez que pego uma nova cerveja e
a entrego a lata vazia.
Que sentimento lindo! A impressão
que tenho, é que ela me acha mais másculo por conseguir ingerir tantas
cervejas. Imagino que quando elas se encontram no fundo do avião, atrás daquela
cortina cinza que separa o corredor da cozinha, ficam comentando como sou
incrível por beber tantas cervejas.
A aeromoça vai para o fundo do
avião rebolando discretamente, enquanto empurra aquele carrinho de metal cheio
de drinks e amendoins. Deve pesar uma tonelada, o carrinho; é claro.
Milton sai de cena e entra
Caetano Veloso, com uma camisa amarelinha de botões de coco desabotoados pouco
abaixo do pescoço. Um cordãozinho nojento do pescoço. Parece de couro. Agradeço
à Deus pelo volume estar no zero e eu ter trocado meus fones de ouvido por
latas de cerveja vazias. Cada vez mais me encanto pela aeromoça. Ela só melhora
a minha vida.
A carranquinha cinza do Caê me dá
angústia. Quando ele sorri, sua boca e o queixo se deformam numa pilha de rugas
formando uma letra “V”. Sua cabeça tem formato de uma picanha e a fresta aberta
em sua camisa revela um colarzinho de miçangas meio roxo e sim, o cordão é
couro. Que nojo. Melhor olhar as aeromoças.
Reparei que elas vestem roupas
com forte apelo à indumentária espanhola. Cabelos também. Eu gosto disso. Peço
mais uma cerveja que vem junto com um sorriso estampado nos lábios de batom
vermelho. Não consigo me cansar disso. I love this game.
O avião chega. Mais um sorriso
antes da despedida. Espero te encontrar logo aeromoça. Nua. Usando apenas este
lenço no pescoço e seu batom vermelho, empurrando o carrinho de uma tonelada
cheio de cervejas para mim.
Recobro minha consciência.
Brasília é quente como o Inferno de Dante. Quem me espera no aeroporto é uma
das mais legais assessoras de imprensa de lá. Seu nome é Bruna.
Deve ser a terceira vez que
trabalhamos juntos. Hoje será a festa de abertura do nosso festival que ocorre
daqui um mês. O DJ da festa chega mais tarde neste mesmo aeroporto. Vem em
outro voo e de outro lugar. Fico meio ansioso com a possibilidade de ele não
chegar. Tento me convencer mentalmente que isso não vai rolar. É obvio que ele
vai chegar. A noite promete.
De dentro do saguão do aeroporto vejo
a Bruna. Sorriso inconfundível. Como eu nunca despacho a bagagem, saio do
saguão em um minuto direto para os braços dela. Somos apenas amigos.
Vim aqui para acompanhar um DJ
europeu que está em tour pelo Brasil. Ele precisa que um tour manager o
acompanhe nestes dias. Modestamente, posso dizer que sou a pessoa certa para o
trabalho.
Tour manager é um trabalho legal.
Você tem que se preocupar com o transporte local, refeições, exigências
técnicas, hotéis, trocas frequentes de voos, passagem de som, exigências de
camarim e mais um lote de tarefas que ocupam seu dia, mas fazem valer a pena.
O artista é meu amigo de longa
data. Francês de Lyon, Sabastién (DJ Agoria) e ele adora o Brasil. Primeira
coisa que fazemos depois de chegar ao hotel é ir comprar Havaianas no shopping
do outro lado da rua. Ele quer as que tem a bandeirinha do Brasil nas tiras.
São bem mais fáceis de achar por que ninguém as quer. Mas não conto isso pra
ele.
O shopping que só vende coisas
cafonas. Impressionante: Vestidos longos rosa - choque com lantejoulas
costuradas, vestidos longos verde-abacate com rendas bordadas. Quem será que
veste isso? Parece uma loja de fantasias da Rebouças.
Na volta Sebastién me diz que
quer dormir. DJs sempre fazem isso, pois passam maior parte de noite acordados
trabalhando. Aproveito a brecha para ir até a piscina no terraço do hotel. O
calor em Brasília é absurdo. Qual não é minha surpresa ao encontrar a menina
Marina na piscina! O pinguim do saguão do aeroporto.
Marina usa boias de braço daquelas
infláveis, cor-de-rosa e com nosso ídolo estampado: Bob Esponja. Ela me explica
calmamente que Bob não poderia ir à piscina pois a água do mar é salgada,
diferente da qual estamos imersos. Que menina esperta! Por quê será que estava
nadando no chão do aeroporto?!
Já com as mãos enrugadas iguais
às da Marina volto ao quarto para me vestir para a festa. A cidade toda só fala
nisso: festa ultra VIP numa balada que aparentemente fica dentro de um shopping
(?!). Se eu soubesse disso comprava as Havaianas na hora da festa.
A festa foi boa, nada demais.
Encontrei velhos amigos de outros festivais e fui embora de carona com outra
amiga.
Dia seguinte, seguimos pra Campo
Grande, Chapada dos Guimarães. Lugar incrível, festa bacana, pessoas estranhas
e a mais amarela Lua que já vi na minha vida.
Um repórter da TV local, insistiu
em pular em cima do palco. As picapes de Sebastién começam pular também. Regra
número um: Não se pula em palco aonde DJ toca. Sem muita paciência, peço ao
repórter, com sua inusitada peruca punk de Moicano rosa e colar de flores
havaiano (chama-se Leii na língua havaiana), que desça do palco. Afetado, ele
diz coisas que não compreendo por causa do sotaque. Não faço questão de entender.
O moço fica nervoso mas desce assim mesmo.
Já de volta ao hotel as oito da
manhã, Brasília é tão fria quanto Curitiba, quando comparada ao calor de Campo
Grande. Segundo o motorista da nossa van Sr. Arismar, “durante a semana fez 42
graus”. Dava para fazer sopa de Bob Esponja na piscina do hotel, pensei comigo.
Combinei com Sebastién de nos encontrarmos na piscina em 5 minutos.
Cerveja no café da manhã é uma
coisa incrível. Dá um certa culpa no começo, mas passa no primeiro gole. No
máximo depois do primeiro arroto. Mas aqui eu não arroto alto. Sou um cara
educado, estudei em colégio fino e ao meu lado está tomando sol uma gata toda
tatuada vestindo um biquíni rosa com estampa amarela de flores. Não, ela não
curte muito o Bob Esponja. Nem o Lula Molusco. Não sei se ela não me entendeu
ou se eu que não a entendi. Tenho certeza que falamos português. Nossa
comunicação, entretanto, foi nula.
Dormir pra quê, quando você tem
um frigobar cheio de Red Bull no seu quarto? Não vou precisar usar muito meu
cérebro para tomar banho e pegar a van até o aeroporto. Abro outra cerveja e
lembro da funkeira carioca “Tati Quebra Barraco”, misturando cerveja com Red
Bull no copo numa festa que eu fui. Mas eu não faço isso. Tomo um gole de cada copo.
Separados mesmo. Lembro de entender que a gata tatuada me disse se chamar
Margarida. Duvido.
O caminho até o aeroporto é
curto, com sono e de ressaca eu entro no avião de óculos escuros. Estou sem
dormir a alguns dias. As aeromoças são outras e não me empolgo em beber mais
cervejas. Se tivesse canja eu tomaria.
Chego no caos do Aeroporto de
Congonhas num domingo à tarde. Muitas pessoas com malas embrulhadas no filme
para micro-ondas se apressam para o embarque. Da próxima vez que for pra
Brasília ou Campo Grande levo um pote de sal de frutas. Mas só tomo se ficar
bom misturado com cerveja.