terça-feira, 27 de novembro de 2012

Bom Dia.

Sentada no sofá pela manhã.
Ignorando as notícias mudas pelo jornal na TV.
O perfume do shampoo nos cabelos molhados se mistura com o café recém feito.
Ela de calcinha e camiseta sorri com o canto da boca assistido-o separando suas coisas para sair. Ela cantarola alguma coisa. Ele põe tudo na mochila.
E a luz matinal vibra no ar com o frenesi do amor que acabaram de fazer. O café hidrata e adoça seu rito matinal. Bom dia.
Café e suco com poucas palavras. Sua comunicação dispensa o texto. Torcendo para que os vizinhos não tenham acordado, o chuveiro ligado espera pelo próximo banho. E foda-se a água.
O cachorro da parede ao lado saúda o casal em plenos pulmões. Percebe sua felicidade borbulhante como uma lata de refrigerante recém aberta. Talvez ele quisesse participar.
E todos os músculos e tendões tremem, tentando fotografar eternamente os minutos anteriores.
Em que dormiram e acordaram abraçados, despertados pelo sol dourado, fazendo amor com a janelas abertas para entrar o vento da manhã, com as cortinas brancas respirando.
Fazer amor para começar o dia, só para dar sorte. Bom dia!
E o olhar paralisado do gato em cima do criado mudo ilustra seu mais novo trauma. Ele não entendeu nada. (ou entendeu?)
Então de roupas limpas de banho tomado despede-se. Beijo sabor café. Aperta-a com o corpo todo. Agora menta com café. E flúor.
Chama-a de delícia já sentindo saudades. Mais um beijo na boca caminhando em direção à porta. Ela o segura, impedindo-o de partir. "Stay with me a little more. Just a moment longer..."
Que manhã linda. Dia de sorte; pé direito.
Bom dia.

sábado, 17 de novembro de 2012

SAVE THE DATE



Ela desceu as escadas pisando com força. Seus passos descalços fizeram eco no corredor. Reclamou com seu sotaque delícia alguma coisa sobre o Facebook. Quem se importa com o Facebook? Pegou as chaves do carro sobre a mesa e passou me fitando com seu olhar de cachorra braba. Faço força para não a encarar.

Encostado no sofá eu relaxo na minha zona de conforto. Tenho minha visão bloqueada de propósito. Sua cintura se posiciona entre eu e a TV. Ela quer que eu fale. Permaneço em silêncio.
Entµao sou baleado na cabeça. Um tiro apenas. Na testa. Meu corpo cai trêmulo no chão já sem vida. Meus companheiros gritam. É a segunda vez que esse Sniper afegão me acerta de dentro de uma caverna. Dessa vez a culpa é dela. Minha campanha como capitão de um pequeno pelotão em Kabul cai por terra. Sorte no amor, azar no jogo? Pode ser.


Eu pauso o video game e coloco o controle no sofá evitando um desastre ainda maior.

Passo a olhá-la nos olhos. Sentada ao meu lado ela calça os sapados da noite anterior. Eu adoro essas solas vermelhas. Seu vestido de noite contrasta com a luz do dia que penetra tímido pelas frestas da persiana. Ela não diz uma palavra. Bebo mais um pouco de café. Ofereço; ela não quer.
Ela tenta abrir a porta mas o trinco enrosca em suas chaves recém-copiadas. É preciso ter muito queijo para ganhar a cópia das chaves da minha casa. Mas ter as chaves não significa que vai entrar ou sair a hora que quiser. Eu decido. O trinco decide. Ela bufa; eu abro a porta: “ladies first”.


Me levanto sem pressa. Imagino alguma coisa esperta para dizer e evitar que ela atropele meu gato e derrube o portão com sua enorme picape prateada. Não consigo pensar em nada: tomei apenas uma xícara de café e meu cérebro ainda não começou a operar. Sinto preguiça disso tudo. Ela começa a manobrar. Já dentro do carro ela coloca os óculos escuros e sai cantando os pneus. Sinto vergonha pelos vizinhos; mas dura pouco. 


Sou obrigado a sair apenas de bermudas e sem cueca na rua, com um controle remoto na mão. É a única maneira de fazê-la parar de buzinar para sair da vila em que moro. Tem a chave de casa mas não tem o controle do portão. Uma boa metáfora. Penso nisso enquanto me espreguiço. Me curvo lateralmente como se estivesse na academia. O portão se abre devagar. Vejos seus olhos cheios de fúria me fritando pelo retrovisor. Ainda bem que ela não é o Cyclops.


Ela sai acelerando na rua. Raspa o fundo do carro no desnível do meio-fio numa ralada barulhenta. Acelera mais ainda e sai do meu campo de visão. Eu espero o portão se fechar.


Entro em casa feliz pela integridade física do gato que dorme no capô do carro da minha vizinha. Lindo, preguiçoso e tomando sol. Eles combinam.


Tranco a porta e passo a chave tetra. É só para garantir. 


Sento-me no mesmo lugar e revejo mentalmente o que fiz para aquilo acontecer. Cada passo, cada decisão, cada escolha. Arrependido me concentro. Respiro fundo e decido voltar atrás. Engolindo meu orgulho eu tomo a decisão correta: eu aceito retroceder.


Essa é sem dúvida a mais importante escolha da semana. Bebo mais um pouco de café. É hora de agir. Corajoso acato minha decisão: tiro o jogo congelado do "pause" e digo em voz alta para mim mesmo: "Agora eu mato aquele Sniper filho da puta!!"