quarta-feira, 7 de junho de 2017

O dia em um lagarto de 2 metros perseguiu o meu amigo na praia


Voltávamos por uma estradinha que liga a Ilha Comprida à margem da balsa que chega em Cananéia. São quatro quilômetros de estrada de areia fofa e cascalho no chão. Eu e meus dois amigos biólogos e suas respectivas namoradas retornávamos de uma tarde de coleta de material marinho para uma iniciativa voluntária de auxílio à pesquisa do instituto de biologia marinha local. Alguma coisa relacionada à reprodução de ostras e crustáceos. Tecnicamente, voltávamos da praia com vidros de azeitonas em conserva cheios de água do mar e porra de ostras, literalmente.
Esse lado da praia na ilha tem uma linha de ônibus que opera diariamente, de hora em hora. O trajeto da ponta da Ilha Comprida até a praia de “Pedrinhas” leva cerca de uma hora para fazer um ônibus enferrujado percorrer 50 Km de praia seguidos de uns 5 km de uma estradinha no meio do mato levando os caiçaras que moram na região e turistas que não se importam em perder uma porcentagem significativa de sua percepção auditiva em um ônibus que chacoalha como uma máquina de minerar ouro e faz o barulho de um moedor de carne industrial. Faz parte do charme do passeio.
Mas neste dia decidimos fazer os 4 km finais que separam as pontas das praias à pé. Era um fim de tarde de outubro, dia de semana longe de feriados e não havia absolutamente ninguém naquela porção da praia. A natureza já se habituara novamente ao silencio da estrada, devolvendo o barulho hipnótico da mata com seus pássaros, besouros, e mosquitos felizes zumbindo em nossos ouvidos num pôr do sol de calor num céu ridiculamente alaranjado e dourado. Uma experiência lisérgica sem LSD nenhum.
Nosso amigo Patrick andava ao lado de seu parceiro de mergulho cerca de cem metros a nossa frente. Carregava sua prancha de surf em baixo do braço e tinha a parte superior de seu traje de mergulho aberta, arregaçada para trás, na altura da cintura. Esse é um costume entre os biólogos da região: levar a prancha sempre que há expedição. Eu e minhas duas amigas voltávamos mais para trás na estrada, carregando as mochilas com as amostras de água, finalizando uma ponta de um baseado enquanto ríamos e falávamos de coisas randômicas engolfados pela natureza do trajeto.
Foi então que os meninos na nossa frente sinalizaram que alguma coisa estranha acontecia. A cem metros, bem na frente deles na estrada, havia o que parecia ser um troco atravessado na pista. Perpendicular à estrada repousava de maneira indecifrável um lagarto da região de mais ou menos dois metros de cumprimento. Teiú Branco é o nome que os residentes locais dão para o bicho. O Tupinambis teguixin L. é nativo das matas e praias brasileiras, ocorre no Brasil e na Argentina e é conhecido por devorar galinhas inteiras, mamíferos pequenos, ovos de qualquer bicho, subir em árvores e pedras e é famoso por sua velocidade e agressividade.
Igual a nós, Patrick e seu amigo também finalizavam uma ponta de um outro baseado enquanto se aproximavam do imenso réptil. Para nós ficava no ar a pergunta se o bicho estaria ou não vivo por conta de estar atravessado na estrada, totalmente imóvel e com olhos aparentemente fechados. Na estrada, certamente nos últimos 60 minutos, nenhum veículo havia passado. Nossa dúvida sobre a vitalidade do bicho repercutia em nossa conversa, enquanto – de longe – eu e as meninas observávamos na dúvida o estado do bicho.
Nosso amigo chegou bem perto com um ar debochado. Biólogo experiente, mergulhador e sushi man. Olhou para trás em nossa direção e gritou em plenos pulmões:
-- Ele tá morto! Esse aqui tá morto...
Continuamos nos aproximando devagar com a cautela de quem tem medo de qualquer coisa que seja mais comprida que nós mesmos...
-- Ele tá morto! E demonstrou sua teoria cutucando as costelas do réptil repetidamente com a ponta de sua prancha de surfe...
O bicho continuava absolutamente imóvel. Congelado. Olhos fechados. Seguimos nos aproximando e quando chegamos a cinquenta metros da cena, paramos.
-- Eu vou virar ele!! – disse Patrick animado.
Patrick então calçou o bicho por baixo, forçando a ponta da sua prancha entre a areia fofa da estada e a barriga do animal. Era pesado. Muito pesado. Fez força para virar o lagarto pela altura do pescoço para conferir se ele tinha algum ferimento do dorso... mas ele não tinha nada.
E foi aí que o lagarto se mexeu.
O bicho abriu a boca e os olhos furiosos e “gecou”. Gecar é o nome de um ruído apavorante que os lagartos soltam: um silvo, uma espécie de sopro alto, gutural e agudo que se parece o barulho que cobras grandes fazem quando estão acuadas. Como se fossem uma válvula de pressão liberando o vapor. Um barulho assustador que silenciou toda a mata ao redor.
Patrick deu um pulo para trás, assustando ainda mais o lagarto que nessa hora que percebeu o medo de seu algoz decidiu avançar. Patrick saiu correndo. O lagarto o começou a seguir dando botes em nosso amigo tropeçante como se fosse uma cobra, tentando lhe morder os pés e mãos mas ele correu apavorado pela areia da estrada, levantando poeira ao perder os chinelos, correndo igual a um tarado.
Nós, um pouco atrás, em estado de choque e falta de ar de tanto rir assistíamos a cena: o lagarto começou a correr atrás do nosso colega numa velocidade tão inacreditável que chegara ao ponto de se equilibrar nas duas patas de trás e no rabo, ficando literalmente em pé, com a boca quase na altura da cabeça do nosso amigo, que desesperado corria em direção à balsa.
O susto para nós durou pouco mas o para Patrick levou uma eternidade. Após alguns metros de perseguição o lagarto desencanou do nosso amigo errante e fugiu novamente para a mata, pulando para o acostamento. Nós quatro, tentamos durante os dez minutos seguintes recuperarmos e a dignidade e levantarmos do chão depois de rirmos convulsivamente do nosso amigo cambaleante, branco, apavorado e arrependido.
Nosso amigo Patrick ganhou alguns hematomas por conta das rabadas que o lagarto deu nele durante a perseguição. Eu honestamente nem vi mas dizem que é uma defesa do bicho.
Nós, quase morremos de rir por ver a cena toda, ali, na nossa frente. E eu levei alguns minutos de fato para recuperar o folego, e nossa amiga Cintia – namorada dele -  fez xixi nas calças de tanto rir. Literalmente.



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