terça-feira, 23 de abril de 2013

Dono

Me pergunto a que horas você volta. Me lembro sempre que vejo tuas roupas penduradas na cadeira. Escuto o silêncio ecoar no apartamento numa tarde de dia da semana. Refresco-me deitando no chão. Eu gosto mesmo é de deitar no chão do banheiro ou da cozinha, mas hoje, a porta está trancada. Não sinto vergonha de confessar isso. Por mim; tudo bem.

De alguma maneira gosto de ter casa só para mim. É melhor do que dividi-la com aquelas crianças histéricas que me alugam até a hora de partir. Escuto o barulho das pessoas no corredor e vejo a sombra dos pés do carteiro passar. Isso não me faz companhia nem me tira do meu silêncio. Mas lembra que estou vivo e que está tudo bem. Então bebo água fazendo barulho. Não tem ninguém por perto mesmo. Escuto a geladeira ligar. Seu termostato preciso mantém a comida em dia. Eu adoro essa geladeira.

A vizinha de cima é sempre notada. Seus saltos duros escancaram sua chegada e saída. Lembro-me de tê-la reconhecido um dia desses no corredor. A reconheci pelo cheiro e pelo salto. Um perfume doce e caro desses que ficam impregnados no elevador nas tardes de Sábado – provavelmente algum número de Chanel. Ela chegou em casa há pouco. Escuto seu barulho denunciado pelo piso do andar de cima. Foi ao banheiro. Escuto até o chuveiro. Saltos de novo agora só amanhã de manhã.

Tem gente no prédio que abre a porta para o cheiro da fritura fugir pelo corredor. Um péssimo hábito. Devia ser proibido. Hoje foi dia de bife então resquícios do almoço permanecem socializados no ar. Deve ser porque teve feira. Quinta feira. A rua fica fechada desde cedo e sou acordado repetidamente durante a madrugada pelo barulho inconveniente de comerciantes mal educados e suas barras de ferro fincadas no chão. Eu não me importo mais. No passado faziam muito barulho e isso não me deixava dormir. Não sei se melhoraram ou se tinha ouvidos mais apurados.

Mas nesse momento eu permaneço imóvel. Economizo energia em minha imobilidade proposital. Suspiro alto como se despressurizasse o tédio e sinto todos os cheiros por baixo da porta ventando pelo corredor. 

Escuto os sons do prédio nesta tarde abafada de dia da semana. Me entretenho pelo balanço lânguido da cortina que se move com o vento da fresta aberta da janela. Acompanho com os olhos denunciados pelas minhas sobrancelhas expressivas. Mas não me movo.

Hoje tem rádio. Trocaram as pilhas - graças a Deus. E eu adoro essa estação. Tem pouco anúncio e toca muito jazz. Miles, Coltrane, Holiday e Pat Metheny. Eu adoro jazz. O pessoal daqui de casa também.

Bebo mais água, mais um xixi, mais um sonho, mais um pum. Suspiro. Esse foi fedido. Noto as luzes da casa que entram pela janela diminuir. E as horas passam mais depressa na cozinha, aonde o ponteiro dos segundos risca o silêncio. 

Escuto a empregada do lado chegando com as compras. O farfalhar dos sacos. Esqueceu que tinha feira; Santa? Hoje é quinta feira... Eu gosto dela mas aposto que chupa o Leite Moça da patroa direto do furo da lata. É verdade que me irrito com seu espirro esporádico no meio da tarde. É tão alto que ecoa no corredor do vão do prédio. Espirro típico de empregada doméstica sozinha em casa. Maior chuva na pia. Que nojo. Já quase enfartei por isso. Maior susto. Te juro. Me apavora. É que eu tenho um ótimo ouvido. Eu sou assim. Tenho um ótimo ouvido.

Moramos no terceiro andar então as vezes subimos pela escada mesmo. Eu não me importo. E eu gosto do cheiro da escada do meu prédio. É um cheiro bem característico: cheiro de escada de prédio antigo. 

E daí sinto teu cheiro por baixo da porta escuto teus passos no corredor. Pondero ansioso se é mesmo você. Meu coração dispara. Fico na dúvida, imóvel. Te reconheço pelo cheiro: sim é você entrando através hall do prédio. Mas eu te reconheço. Não é seu perfume. É o teu cheiro. Adoro teu cheiro. Te espero na porta.

Te escuto saindo pelo elevador. Me seguro para não fazer barulho conforme me instruíram. Você entra e eu não pulo. Sei que me ama ainda mais por isso. Ganho um beijo na cara e um abraço apertado que me estrangula deliciosamente. Senti sua falta moça... E você afaga com gosto meu pelo macio.

Sei que agora falta pouco. Balanço o rabo com o corpo inteiro numa celebração amorosa da volta da tua companhia sagrada. Adoro quando volta. Agora larga tuas coisas e pelo amor de Deus: me leva para passear.

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