terça-feira, 23 de abril de 2013

O Último Dia de Verão




E o sol já bem baixo laranja chega perto das árvores. Paquerando o horizonte. Com a boca meio queimada de sol, salgada e ardendo na fronteira entre a pele e os lábios. Queimando desidratados com o suor que evaporou durante o dia. A boca seca de terra e sede que pede água. Procuro com os olhos um bebedouro no parque. Hoje é o último dia de férias.

Uma névoa seca no ar delineia a sombra das folhas e galhos numa projeção dourada no chão. Entope as narinas e irrita os olhos. É poeira levantada o dia todo por uma legião de bicicletas insistentes de crianças que pedalam gritando. Meu dia está começando a acabar.

Encontro um bebedouro. Me refresco implacável num gole público que brota na calçada. A morte da sede revela um alívio infantil. O cheiro de água que vem em direção a testa me leva de volta no tempo. Cheiro de água que fazia tempo que não sentia. Molho o rosto e deixo a água escorrer por dentro da gola num alívio melado entre o queixo e o pescoço.Tiro a camiseta.

E as férias de verão terminam com o pôr do sol nas costas. Voltando do parque segurando a camiseta e falando alto. Sentindo o ar esfriar ao passar perto do mato. A boca não está mais seca. Pedrinhas safadas que se escondem nos cantos do tênis passeiam pela sola dos pés. Vou tirá-las mais tarde.

E o barulho dos balanços enferrujados guinchando com crianças centrípetas é o tema da tarde.

À caminho da saída vi seus cachinhos amarelos embalados pelo vento, lambendo o ar num vai e vem conhecido. Linda em seu macacão bordado; ela é intima do balanço.

Suas mãos têm covinhas. Vermelhas de ferrugem e terra apertam com força as correntes do brinquedo. Pés gordinhos de sola preta descalços e  de dedão para cima. Inclina-se para trás sem medo tentando chutar a nuvem de formigas com asas que foi parcialmente ingerida pelos ciclistas na quadra anterior. Chuta alguns insetos.

Parece que ela vai pular.

Seu sorriso antecipa um salto absolutamente desproporcional à sua idade. Espera o ponto em que quase pára no ar; o ponto mais alto de sua trajetória centrífuga. Espera de novo. Aguarda outro ciclo e depois mais uma vez. Pondera. Concentra. Vacila... Apóia os braços nos elos laterais do brinquedo e se joga...

O tempo pára por um segundo. A garotinha voa por cima da grama.

Eu a vi cair em pé. Levantou correndo. Sorrindo malandra com a língua para fora. Com a queda suprimida pelas mãos em frente ao corpo se levanta e limpa a terra na roupa, orgulhosa do feito.

Ri da coragem da menina no caminho de volta. Loirinha malandra.

Talvez suas férias não terminassem naquele pulo. Talvez terminassem. Ela não se importava.Pulou alto. Isso é o que importa.

Já sem sol me lembrei do parque ao tirar os tênis no banheiro com as pedrinhas rolando pequenas pelo azulejo. As chutei com o dedão para o ralo.

Ardendo a boca no chuveiro pensei na chatice do dia seguinte. Em que voltaria a velha rotina, com a lembrança na pele queimada de suas férias, que terminaram num pulo; numa tarde no parque.

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