quinta-feira, 18 de abril de 2013

Sacada



Então me lembrei de como você ria na sacada. Encostada na grade. Cotovelos para fora. Um dos pés descalço, apoiada nas barras de ferro. Me encarando felina com a cidade rugindo de mansinho nas suas costas. 

Bem tarde da noite e os carros  circulando, a 13 andares debaixo dos pés. O vento quente que te soprava os cabelos os fazendo entrar pelo canto da boca. Tua saia que voava de leve numa coreografia manca, junto as plantas da tua sacada anunciava uma chuva que estava por vir.

E uma cortina de calor invisível fazia as luzes de ferrugem cintilar no horizonte. Subindo ondas de radiação por cima dos ombros, como o calor que emana do asfalto em uma estrada num dia de verão.

Falando aos ouvidos, concentrados um no outro, pouca coisa nos tirava a atenção. Um moto ao longe que quebra o silêncio, o freio de um ônibus que apita, buzinas escondidas por trás das esquinas. Uma noite abafada por beijos açucarados e perfumes florais. Vinho e notas de madeira. Romance à vista; em três vezes sem juras.

Não sei se fizemos barulho. Nossas risadas eram altas, mas me concentrei só teu riso. Tua voz no meu ouvido, concordando, encarando. Cuidando para não chutar os copos no chão. Segurando as pontas da tua saia rebelde.

E daí eu fiquei lembrando de você apontando para o horizonte, ao me explicar o que havia por de trás daquelas montanhas, depois da enorme torre de TV.

Lembrei do gosto do vinho que tingiu de leve teus lábios e o gosto dos teus cabelos que entraram na minha boca, que você tirou rindo, me pedindo desculpas. Adorei o gosto...

Gosto te ver respirando ou atendendo ao interfone. Mudando os canais e chamando seu gato rebelde que nunca vem. Te adoro ver abrir as gavetas, segurando os cabelos e o decote junto ao colo para eu não veja teu peito. Procurando um livrinho, uma pilha, uma caneta. Para te falar a verdade vi bem pouquinho do peito nessa hora.

Lembro do cheiro da chuva que chegou para molhar sua sacada e nos fazer entrar na sala depressa. Fechando os vidros e esquecendo os copos na chuva. Me lembro das primeiras gotas que tentamos pegar com a boca, antes do dilúvio nos tocar para dentro e silenciar a cidade. Caindo no rosto, molhando as nossas testas e o chão. Anunciando com graça que precisávamos entrar. 

Adoro o gosto da chuva ácida. Mais do que do vinho. Mais do que da água com gás. Menos que teu gosto.

De manhã na sacada abri os vidros da sala. Cheios até boca estavam os copos que esquecemos no chão. A mistura de vinho e água se pronunciou num degrade quase impossível: água em cima, vinho embaixo, como se pouco misturassem.

Fico me lembrando que devia ter entendido que isso sim era um sinal: a água que não se misturou direito com o vinho. Numa noite especial que terminou para sempre junto com a chuva.


Um comentário:

  1. Bem saudosista seus textos (pelo menos os que eu li), cheios de paixão e desejo rs
    Já eu senti saudade do que não tenho, suspiro profundo.

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