quinta-feira, 18 de abril de 2013

ELA



Ela é do tipo que ri alto. Que me fala que estou viajando e me pede para voltar. Ela simplesmente discorda. Ela convence. Ela fica braba se tropeça e fica muito braba se eu acho engraçado, e por mais que tenha graça para ela nunca tem graça.

Ela é do tipo que não fica bêbada. Nunca. Escolhe as bebidas com o paladar de um marinheiro molhado. Vira num gole e pede outra. Bate o copo no balcão, faz cara de mal sem falar palavrão. E ela sempre sabe a conta de cabeça. Com os 10%.

Ela é aquela pessoa irritante que sempre consegue um táxi, uma mesa, uma vaga. Quando ela telefona nunca dá ocupado. Ela entende um pouco de alemão, fala francês e sua mãe é sueca. Ela pede ingredientes para o Chef que eu nunca ouvi falar. E ele fica feliz de incluí-los no prato. Traz ele mesmo para a mesa e diz com sotaque "Boun apetit".

Eu a vi chegando de longe. Andando pela calçada. Quase derrubou o tio da Eletropaulo da escada. Nem encostou nele. Certeza que ele queria ter encostado nela, nem que caísse do alto. Metade do corpo no meio fio, metade na rua, com a língua para fora, inconsciente, com um fio de sangue escorrendo pelo canto da boca. Que delícia de deslocamento de ombro. "Crash with me babe".

Eu a escutei vindo de longe, nas buzinas dos carros anunciando sua chegada a um quarteirão e meio. Comemoração de futebol, buzinaço. Minha mulher-alvoroço.

Ela é do tipo que faz os caras buzinar na rua. Até mulher buzina. Um cachorro de rua a seguia pela calçada. Juro que achei que fosse dela. Assustou-se com os carros. Sarnento, fedido ganhou um afago na lata. E eu acho que vi um cachorro sorrir.


Ela é do tipo que faz baliza. Na subida. Xinga o carro da frente sem falar palavrão e diz que tem certeza que quem estacionou foi uma mulher. Reclama um pouco do espaço numa resmungada fofa. Faz comentário machista retocando o delineador enquanto manobra.

Esses dias a vi falando com um guarda que a ia multar. Saiu no meio da rua de seu carro bem estacionado. Atravessou andando com seus saltos Christian Louboutin de sola vermelha. Vi de longe o tiozinho guardando o bloquinho, pedindo desculpas, concordando. Parou o trânsito para ela sair. Parou o trânsito por ela; literalmente. Ela se recusa a parar em estacionamento, por que sempre tem vaga pra ela.

2 comentários:

  1. ELA - texto em que usa as metáforas são como ingrediente principal para atestar o urbano, descritivo, quase uma intervenção. É preciso ter a inferência na leitura para aspectos um tanto sociais, " comemoração de futebol"ou ... quem estacionou foi uma mulher mas tbém pessoais "Que me fala que estou viajando e me pede para voltar." Intrigante.

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